Os resíduos da extração de minérios são depositados em barragens de rejeitos, uma medida que cumpre normas dos órgãos ambientais. No entanto, em 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem de Fundão, na cidade de Mariana (MG), provocou um dos maiores desastres ambientais do Brasil. Mais de 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos percorreram quilômetros da bacia hidrográfica do rio Doce, entre Minas Gerais e Espírito Santo, até chegar ao Oceano Atlântico.
Com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), poucos meses após o desastre, pesquisadores da Escola de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Lavras (Esal/UFLA), visitaram o local e deram início aos estudos do Tecnossolo, formado pela mistura do rejeito e do solo local. “As pesquisas iniciaram seis meses após o rompimento da barragem de Fundão. Desde então, é realizado o acompanhamento das áreas nas quais o rejeito foi depositado, avaliando as condições desse novo ambiente para crescimento de espécies de plantas e recuperação das áreas degradadas. Nossa pesquisa é prática, avaliamos o efeito da deposição do rejeito por meio de indicadores físicos, químicos e biológicos do solo, bem como os efeitos na comunidade microbiana de solo”, explica o professor Marco Aurélio Carbone Carneiro (DCS), que coordena o estudo.
Durante a primeira visita, os cientistas observaram que a passagem do rejeito retirou toda a cobertura vegetal da margem do rio, atingindo, inclusive, áreas agrícolas. “Esse rejeito, depositado às margens do rio Gualaxo do Norte, inicialmente dificultou o estabelecimento e desenvolvimento de plantas nativas e exóticas, já que sua estrutura é composta principalmente por partículas finas (silte + argila), promovendo o selamento superficial, dificultando a infiltração de água, aeração e o crescimento radicular”, comenta o pós-doutorando em Microbiologia e Bioquímica do Solo, Jessé Valentim dos Santos.
Após três meses, uma expedição composta por 10 pesquisadores da UFLA percorreu mais de 70 km de áreas impactadas pela passagem da lama de rejeito e coletou cerca de uma tonelada de amostras de Tecnossolo, rejeitos e solos não afetados. Com esses materiais, foi realizado um detalhamento sobre a presença de elementos químicos, características físicas e mineralógicas. A pós-doutoranda em Microbiologia e Bioquímica do Solo, Aline Oliveira Silva, destaca que “com a coleta desse material, foi possível a realização de diversos experimentos em condição controlada, avaliando a estratégias de revegetação com o enfoque na reabilitação das áreas impactadas". Em geral, os pesquisadores encontraram o predomínio de ferro e manganês, pH elevado, baixa disponibilidade de nutrientes para plantas e baixa densidade e diversidade de microrganismos, como relatado pela pós-doutora Marisângela Viana Barbosa.
O doutorando Éder Rodrigues Batista, que estuda aspectos relacionados à fisiologia, atividade e diversidade de comunidades microbianas em áreas impactadas ao longo do rio Gualaxo do Norte, comenta que foram observadas mudanças marcantes na fisiologia e na atividade microbiana, em resposta aos atributos químicos e físicos do rejeito, o que tem implicações para a reabilitação das áreas impactadas. Além disso, o doutorando destacou que “as alterações observadas nas diversidades taxonômica e funcional dessas comunidades afeta todos os processos, funções e serviços microbianos específicos do ecossistema”, o que pode dificultar o processo de recuperação dessas áreas.
A pós-doutoranda em Química do Solo e Toxicologia Ambiental, Ingrid Fernanda Santana Alvarenga, reforça que “o acompanhamento das áreas e tais estudos em condição controlada permitem, além do enfoque na reabilitação das áreas impactadas, o auxílio na gestão de risco ambiental e o monitoramento de parâmetros ambientais dentro das normativas vigentes. E, dessa forma, contribui para a busca de esclarecimentos para a sociedade e, principalmente, a adoção de políticas voltadas para a recuperação de áreas degradadas”.
As amostras coletadas ao longo da bacia do Rio Doce integram um banco de dados com informações das características físicas, químicas e biológicas do solo. Atualmente, as visitas ao local são realizadas de duas a três vezes por ano, para acompanhar a evolução do processo de recuperação das áreas. O pós-doutorando Jessé esclarece ainda que o retorno de atividade biológica no solo, embora ainda muito baixo, tem sido uma evolução, e aponta para um caminho de melhoria. “Muitos desses desafios em relação às características do Tecnossolo vêm sendo superados. Já observamos o retorno, inclusive, de pequenos animais aos locais nos quais foi feita a reparação da vegetação”.
As pesquisas com o Tecnossolo em Mariana já originaram a publicação de diversos artigos, dissertações e teses defendidas, ou ainda em andamento. Além de contribuir com a recuperação do ambiente degradado, os estudos enriquecem a formação prática de dezenas de estudantes da Universidade. As pesquisas também integram o livro “Dia D do Rio Doce: Um olhar científico sobre o maior desastre socioambiental do Brasil”, publicado recentemente pela Editora UFLA, com a parceria de várias instituições de pesquisa do Brasil. A pós-doutoranda Aline, primeira autora do primeiro capítulo do livro afirma que “ a publicação contempla vários aspectos físicos e socioambientais do acidente, desde o impacto nos serviços ecossistêmicos nos solos, até aos impactos nas comunidades circunvizinhas, o que gera um respaldo científico, técnico e funcional para toda a sociedade brasileira”. A publicação em formato digital está disponível gratuitamente no Repositório UFLA.
O esforço científico para a recuperação das áreas degradadas em Mariana é realizado em conjunto com os departamentos de Ciências Florestais e Biologia da UFLA, além de diversas outras instituições do Brasil. Desde a década de 1990, o Departamento de Ciência do Solo da UFLA realiza estudos relacionados a atividades de mineração, como a bauxita, zinco, ferro entre outros, de diversas regiões de Minas Gerais e outros estados do Brasil. “Apesar da experiência que já tínhamos, foi uma surpresa muito grande nos depararmos com tamanho impacto nas áreas degradadas, devido à imensidão da deposição do rejeito. O desafio maior foi não ter nenhum parâmetro que pudéssemos comparar com o que encontramos. As soluções, então, tiveram que ser avaliadas para cada situação”, complementa o professor Marco.