Um dos principais ingredientes da cerveja, o lúpulo ainda é pouco semeado em climas quentes e estudos fisiológicos moleculares podem ser a solução
Uma das principais matérias-primas utilizadas na produção de cervejas, o Lúpulo (Humulus lupulus) teve sua primeira pesquisa de pós-graduação defendida na Universidade Federal de Lavras (UFLA). Estudos inéditos com a trepadeira, nativa da Europa, Ásia ocidental e América do Norte, e acostumada às baixas temperaturas, buscam encontrar informações sobre seu desenvolvimento e manejo em solos brasileiros.
Embora a produção brasileira ainda seja tímida, produtores tendem a seguir o modelo europeu de cultivo da planta. “Inicialmente, nossas pesquisas procuram entender o mecanismo do comportamento do Lúpulo aqui no Brasil e, ao mesmo tempo, aproveitar nosso know-how na área de fisiologia molecular para saber quais são os genes que estão controlando o desenvolvimento reprodutivo da planta”, comenta o professor Antônio Chalfun Júnior, do Instituto de Ciências Naturais (ICN/UFLA).
Em outras palavras, os estudos buscam entender o desenvolvimento da planta nas regiões subtropicais do País e quais são os fatores responsáveis pela floração, para propor métodos de manejo, uma vez que as flores são a matéria-prima utilizada no processo de fabricação das cervejas. Elas possuem uma substância dourada chamada de lupulina, responsável pelo amargor e aroma característicos das cervejas, além de outras propriedades que diferenciam a qualidade do produto final.
A pesquisa com o Lúpulo foi realizada pelo mestrando Robert Márquez Gutiérrez, sob orientação do professor Chalfun e co-orientação do pós-doutor Raphael Ricon de Oliveira, do Programa de Pós-Graduação em Fisiologia Vegetal. Inicialmente, os pesquisadores visitaram produtores da planta para conhecer melhor a realidade do cultivo e saber de suas dificuldades; depois foi feito um levantamento dos estudos com a planta e testes em laboratório e estufas.
Raphael enfatiza que são necessárias ainda outras pesquisas sobre o Lúpulo, pois faltam informações sobre a produção no Brasil. “O trabalho do Robert nos mostra que muita gente está começando a produzir o Lúpulo porque é uma planta que enraíza muito fácil, porém aí é que está a armadilha, pois não há produtividade se não houver um conhecimento sobre o ciclo da planta em solos brasileiros e os fatores que regulam esse ciclo. Esse é o ineditismo dessa pesquisa”, diz.
Mitos sobre o Lúpulo
Por ser uma planta trazida da Europa, acreditava-se que o Lúpulo necessitava de um período de frio para florescer, conhecido como vernalização, mas os pesquisadores verificaram que isso não acontece de fato, já que a planta floresce em qualquer época do ano aqui no Brasil. “Um dos padrões que observamos foi que, ao atingir um determinado tamanho e um número de folhas, a planta floresce, antes do período ideal”, comenta Robert.
Outro ponto esclarecido foi que o Lúpulo floresce independentemente do encurtamento das horas de luz. “Na Europa, a planta precisa de 16 horas de luz para completar seu ciclo vegetativo. Quando esse comprimento do dia é reduzido para menos de 16 horas, ela entra em produção. Entretanto, no Brasil isso não é possível, pois aqui o foto-período dela é sempre indutivo, pois não chega a 16 horas de luz. Então, quando ela chega em um determinado estágio de desenvolvimento, ela emite flor, só que ela não está preparada para esse processo em termos de estado vegetativo. Por isso a nossa produção é pequena, independentemente da época do ano”, explica Chalfun.
Os pesquisadores contam que alguns produtores “enganam” a planta com luz artificial, porém o investimento é de alto custo e não acessível a todos. A solução, nesse caso, pode estar na fisiologia vegetal. “Do ponto de vista fisiológico, fizemos essa pesquisa com três variedades de Lúpulo. Notamos que a planta possui dois genes que podem estar diretamente envolvidos na ativação do florescimento. Esses genes são chamados de reguladores e atuam na repressão e na ativação do florescimento, respectivamente”, comenta Robert.
Os pesquisadores esclarecem que é possível modificar esses genes da planta para que ela produza em maior quantidade, porém isso ainda não foi feito. “Temos outros mecanismos mais simples do que a modificação genética, como a aplicação de certos produtos comerciais com um manejo adequado, o que pretendemos explorar em meu doutorado”, menciona Robert.
Já em relação à qualidade, o estudo comparou amostras produzidas em território brasileiro com as importadas. Após análises, o professor Chalfun disse ser possível perceber que o Brasil tem um grande potencial para produzir Lúpulo com qualidade. “Nós só precisamos tentar controlar esse crescimento vegetativo do Lúpulo até que atinja o limite suficiente para que a produção possa alcançar os três quilos necessários de flores e ser rentável ao produtor”.
Cerveja com cara de Brasil
Com um mercado de cervejas em expansão, principalmente artesanais, cultivar o Lúpulo no Brasil pode baratear o custo de produção, já que o quilo da flor nacional pode ser encontrado no mercado de R$ 180 a R$ 400, dependendo da variedade e da forma adquirida (seco ou em flor). Segundo informações do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), em 2020, o Brasil importou 3.243 mil toneladas do insumo, o equivalente a US$ 57 milhões.
Além de ser uma cultura de alto valor agregado, o Lúpulo brasileiro pode baratear a produção de cervejas e conferir à bebida um paladar único. “O Lúpulo produzido em solos brasileiros pode conferir à bebida final um Terroir, ou seja, um sabor diferente, dependendo do local de produção, semelhante ao que observamos na cultura do café, vinho e na produção de queijos”, comenta o docente.
De acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil), a produção nacional da bebida é de aproximadamente 14 bilhões de litros por ano e representa 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB), com faturamento de R$ 100 bilhões/ano e geração de 2,7 milhões de empregos. O País é o 3º maior produtor de cerveja do mundo, ficando atrás apenas da China e dos Estados Unidos. “Tais dados demonstram o potencial de retorno para o Brasil e a necessidade de investimentos nessa área para que o País passe de apenas consumidor a produtor dessa matéria-prima, cuja bebida está tão presente em nossa cultura”, finaliza o professor Chalfun.