A presença de peixes invasores em bacias hidrográficas distintas de seu ambiente de origem pode causar uma série de mudanças nos ecossistemas que os recebem e ocasionar problemas socioeconômicos e de saúde pública. Existem variados fatores que fazem esses peixes de água doce chegarem a novos lugares, o que torna trabalhos com informações sobre a distribuição, os impactos e o status das espécies invasoras importantes para a realização de novos estudos e monitoramentos de invasões biológicas.
Para alcançar esse objetivo, um grupo de pesquisadores que incluiu membros da Universidade Federal de Lavras (UFLA) realizou uma pesquisa que avaliou os aspectos ecológicos e o impacto causado pela presença de espécies de peixes introduzidos em seis bacias dos estados do sudeste brasileiro (Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo). O sudeste é a região do País com maior índice desse tipo de invasão de espécies exóticas, o que ainda é agravado pela construção de usinas hidrelétricas, pelo esgoto e pelas mudanças no uso da terra.
A pesquisa resultou no artigo “Alien fish fauna of southeastern Brazil: species status, introduction pathways, distribution and impacts” (“Fauna de peixes invasores do sudeste do Brasil: status das espécies, vias de introdução, distribuição e impactos”), publicado em maio de 2021 no periódico científico Biological Invasions. Resultado de um extenso trabalho liderado pela pesquisadora Marina Lopes Bueno, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ecologia Aplicada da UFLA, a pesquisa foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e contou com a colaboração de outros pesquisadores e pessoas relacionadas à área.
Durante o desenvolvimento do trabalho, uma extensa pesquisa bibliográfica foi realizada e pesquisadores especializados auxiliaram na atualização da lista de peixes exóticos presentes nas seis bacias hidrográficas estudadas: Alto Paraná, Paraíba do Sul, São Francisco, Mucuri, Jequitinhonha e Doce. Os resultados alcançados proporcionaram novas informações sobre o status de invasão das espécies, a categoria do impacto ambiental causada por elas, as formas (vias) com que esses peixes foram introduzidos nas bacias estudadas, e as origens e os atributos taxonômicos das espécies (dados sobre as classificações desses animais com base em suas diferentes características).
De acordo com a pesquisadora Marina, “espécies exóticas invasoras são realmente uma grande ameaça à biota nativa. Portanto, informações sobre as espécies que foram e continuam sendo introduzidas em nossa região são de extrema importância para a implementação de programas efetivos de manejo e conservação de espécies nativas, além da prevenção de futuras introduções.”
Para auxiliar na mudança dessa realidade, foi compilada uma lista com dados sobre 201 espécies exóticas de peixes que foram introduzidos nas bacias hidrográficas estudadas (até 2019). Essa lista foi feita com base em variadas pesquisas bibliográficas e em registros não publicados, contando também com o apoio de acadêmicos e de especialistas envolvidos em projetos ambientais na região.
Além disso, observou-se que essas introduções ocorreram de seis maneiras: aquicultura, comércio de peixes ornamentais, controle biológico, estocagem para pesca, isca viva e quebra de barreira geográfica (consequência do alagamento de uma barreira natural pela construção de uma usina hidrelétrica). Ademais, houve uma grande variação entre as bacias hidrográficas no que diz respeito ao status de invasão das espécies e, no que se refere ao impacto ambiental causado por esses peixes invasores, apenas o impacto de 11 espécies pôde ser analisado.
Espécies, impactos e status da invasão
As 11 espécies de peixes invasores cujos dados de impacto ambiental puderam ser coletados são: Cichla kelberi, Pygocentrus nattereri, Misgurnus anguillicaudatus, Carassius auratus, Pethia conchonius, Danio rerio, Poecilia sphenops, Prochilodus argenteus, P. costatus, Serrasalmus brandtii e S. marginatus.
Os impactos dessas espécies no ambiente onde elas foram inseridas foram classificados em Impacto Maciço, Grande Impacto e Impacto Moderado. Confira, a seguir, o resultado dessas distribuições.
Impacto Maciço: causam a extinção e a substituição de espécies nativas, resultando em mudanças irreversíveis nos ecossistemas. Espécies: Cichla kelberi e Pygocentrus nattereri .
Grande Impacto: causam a extinção e a substituição de espécies nativas, porém o impacto ambiental é reversível. Espécies: Misgurnus anguillicaudatus, Carassius auratus, Pethia conchonius, Danio rerio e Poecilia sphenops .
Impacto Moderado: causam declínios nas densidades populacionais de espécies nativas, mas não gera grandes alterações nos ecossistemas. Espécies: Prochilodus argenteus, P. costatus, Serrasalmus brandtii e S. marginatus .
Além disso, a lista compilada com essas informações detalhou o status de invasão dessas espécies, considerando as seguintes classificações:
Casual: os peixes sobrevivem no local onde foram inseridos e não se reproduzem.
Naturalizada: os peixes sobrevivem, reproduzem-se e têm uma população autossustentável.
Invasora: os peixes sobrevivem, espalham-se e reproduzem-se em diversos locais.
A lista também aponta as “origens” desses peixes (África, Ásia, América Central, América do Norte, América do Sul e Europa) e apresenta dados taxonômicos sobre as espécies e as formas como elas foram introduzidas em ambientes aos quais não pertencem. Esse material suplementar está disponível no artigo, que possui links para os conjuntos de dados compilados.
Apenas as onze espécies citadas foram classificadas porque não havia informações suficientes para realizar a classificação de impacto ambiental das outras 190 - que foram classificadas como parte de uma categoria nomeada como Deficiência de Dados. Especialistas acreditam que algumas dessas espécies provavelmente causam danos aos ambientes que as recebem, no entanto, devido à ausência de dados, mais estudos são necessários.
A equipe de pesquisa
Além da pesquisadora Marina, o estudo contou com outros colaboradores. Entre eles, estão outros pesquisadores da UFLA membros do Departamento de Ecologia e Conservação: Francisco Ricardo Andrade Neto, Nara Tadini Junqueira, Paulo dos Santos Pompeu (do Laboratório de Ecologia de Peixes) e Rafael Dudeque Zenni (do Laboratório de Ecologia de Invasões e Conservação da Biodiversidade).
A pesquisa também teve o apoio de André Lincoln Barroso Magalhães (do Programa de Pós-Graduação em Tecnologias para o Desenvolvimento Sustentável da Universidade Federal de São João del-Rei) e Carlos Bernardo Mascarenhas Alves (do Projeto Manuelzão, da Universidade Federal de Minas Gerais). O trabalho ainda contou com a participação de Daniel de Melo Rosa (do Centro de Bioengenharia de Espécies Invasoras de Hidrelétricas de Belo Horizonte e do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Universidade Federal de Ouro Preto) e Tiago Casarim Pessali (da Coleção de Peixes do Museu de Ciências Naturais da PUC Minas).
Roteiro: Claudinei Rezende. Colaboração: Greice Santos.
Produção: Samara Avelar.
Edição do vídeo: Vinícius Moraes.