Cláudio Lúcio Mendes
Professor do Departamento de Educação da UFLA, Coordenador do Núcleo de Estudos em Educação e Neurociência (ENE – @eneufla).
Aline Patrícia Gomes
Egressa do Mestrado Profissional em Educação da UFLA, membro do ENE
Murilo Ferreira Andrade
Aluno do Mestrado Profissional em Educação da UFLA, membro do ENE
O Brasil é reconhecido como um dos líderes mundiais em tempo de tela e uso de aparelhos digitais, que afetam particularmente crianças e adolescentes, com uma média surpreendente de nove horas diárias de uso. Em 2024, foi debatido no Congresso Nacional um projeto de Lei proibindo o uso de aparelhos digitais durante a aula, o recreio ou nos intervalos entre as aulas. No entanto, os celulares foram permitidos para fins pedagógicos e situações de acessibilidade, inclusão, atendimento de saúde e direitos fundamentais dos estudantes. A Lei 15.100 foi sancionada em 13 de janeiro de 2025. O que você acha dessa recente proibição?
Logo após a promulgação da lei, foi lançada uma petição sobre o assunto, no site Petição Pública, com mais de um milhão e meio de assinaturas. A repercussão foi tão grande que o jornal Folha de S. Paulo publicou uma matéria a respeito em 5 de fevereiro. A Petição teve uma primeira versão até o dia 1º de fevereiro, e foi alterada em 2 de fevereiro. A primeira continha erros de Português, argumentos confusos e mal elaborados a respeito de docentes, escolas, famílias, além de incluir uma interpretação equivocada do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A segunda defendia o uso dos celulares por estudantes com necessidades especiais e o emprego exclusivamente para fins pedagógicos, sob a orientação de docentes. Lendo com atenção a Lei 15.100/25, observa-se que é exatamente isso o que ela propõe.
O impasse estaria na proibição do uso no “recreio ou intervalos entre as aulas”. Segundo o Ministério da Educação, “a Lei visa criar um ambiente escolar mais equilibrado, reduzindo distrações, fortalecendo a convivência social e assegurando o uso pedagógico das tecnologias. Também enfatiza a necessidade de abordar o sofrimento emocional causado pelo uso excessivo de dispositivos e pela exposição a conteúdos inadequados”.
Muitos trabalhos demonstram que o excesso de telas vem causando obesidade, pressão alta e problemas de saúde mental, atrasos na linguagem e limitações no desempenho motor, além de reduzir significativamente o tempo social e familiar, e aumentar a exposição a conteúdos inadequados. Identificam-se, igualmente, limitações na prática de brincadeiras com potencial cognitivo, que são substituídas pelas tecnologias digitais e seu tempo de tela. Em síntese, os equipamentos digitais (tendo os smartphones como carro-chefe) têm impactado negativamente o pensamento, o afeto e as relações sociais de crianças e adolescentes.
Questões emocionais e físicas também podem ser observadas pela interação excessiva com aparelhos eletrônicos. Um mundo com constantes distrações dificulta o desenvolvimento da atenção, a aprendizagem e a memória, sobretudo para crianças e adolescentes com o cérebro ainda em formação. Afirma-se que a utilização constante dos dispositivos digitais, além de causar dependência (algo como um vício), especialmente pelo seu uso recreativo e em tempo de ócio, vem deixando a criança e o adolescente desinteressados pelo que está ao seu redor.
Para o adulto, as mídias e os aparelhos digitais podem representar “uma janela para o mundo”. Entretanto, quanto mais nova é a criança, maior será o dano potencial. O cérebro é como qualquer músculo: se não for adequadamente trabalhado, pode atrofiar. Para estimulá-lo, “são necessárias experiências sensoriais variadas: ver, ouvir, degustar, cheirar, tatear, sentir”, vivenciar o próprio movimento e o dos outros, além de várias outras experiências ricas para estimular os sistemas sensoriais.
O vício em dispositivos digitais, antes mesmo de a criança entrar na escola, vem dificultando a participação dela no processo educativo, deixando lacunas em sua aprendizagem e comprometendo seu desempenho escolar. No entanto, a supervisão e a regulamentação do uso de telas podem mitigar esses impactos, proporcionando um equilíbrio entre o tempo de lazer digital e as responsabilidades escolares. A chave para maximizar os benefícios e minimizar os riscos do uso de telas parece residir na mediação cuidadosa dos pais e professores, com foco no estabelecimento de limites saudáveis e na promoção de um uso equilibrado de tecnologia.
O acesso controlado a aparelhos digitais na infância e na adolescência traz mais oportunidades no mundo digital, inclusive na vida adulta. Surpreendentemente, isso não é um paradoxo! Nessas primeiras fases da vida, ao reduzir a influência das mídias digitais, é possível promover vivências motoras, vivências ao ar livre e em ambientes de convívio social, sem as telas, estimulando o desenvolvimento cerebral. Na vida adulta, cada vez mais, vamos precisar de habilidades cognitivas bem trabalhadas na infância e na adolescência para entender e superar os desafios digitais, fazendo um melhor emprego dessas tecnologias.
A petição não desconsidera apenas os princípios da Lei 15.100. Ignora, de forma gritante, um número imenso de pesquisas a apontarem que, quanto mais aumenta o tempo de tela, mais as notas escolares caem: mais tempo de tela é sinal de mais distrações, promovendo uma atenção difusa. Distrações e atenção difusa são duas coisas péssimas para a aprendizagem. Soma-se a isso o fato de que os celulares oferecerem apenas experiências sensoriais bidimensionais, com uma superfície lisa e sempre igual, resultando em uma grande falta de vivências motoras. A petição também não leva em conta que a lógica de uso dos smartphones se baseia essencialmente na ordem econômica de conexão e consumo, não em seu emprego pedagógico. Não existem evidências sólidas de que seu uso no espaço escolar possa trazer benefícios para a aprendizagem. Muito pelo contrário!
Em suma, o uso atual do celular entre crianças e jovens gera comprometimentos à saúde (obesidade, pressão alta, visual, saúde mental etc.), à atenção, à memória e ao entendimento de conceitos, diminuindo o tempo de estudo e convívio social, e comprometendo o desempenho escolar. Como consequência, não amadurece a relação, no cérebro, entre o córtex pré-frontal (responsável pela razão) e o sistema límbico (responsável pelas emoções). Uma relação bem estabelecida entre os dois é essencial para a aprendizagem, a memória e o convívio social.
Para quem se interessar em saber mais sobre o tema, seguem 4 sugestões de leitura:
- A dissertação defendida no Mestrado em Educação da UFLA “‘Eu quero meu celular’: As tecnologias digitais, a criança e a educação Infantil”, defendida em 2024 por Aline Patrícia Gomes.
- Jonathan Haidt. A Geração ansiosa: como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais. São Paulo: Companhia das Letras, 2024.
- Michaela Glöber e outros. Crescer saudavelmente no mundo das mídias digitais. São Paulo: Ad Verbum, 2021.
- Michel Desmurget. A fábrica de cretinos digitais: os perigos das telas para nossas crianças. São Paulo: Vestígios, 2021.
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