Por Ana Carolina Martins Pereira
Mestranda do Progama de Pós-Graduação em Ecologia Aplicada

Sob a superfície da água, um intruso aparentemente inofensivo, mas de tons dourados, tem se proliferado silenciosamente. Embora seu nome possa evocar imagens de algo valioso, a verdade é que a invasão de mexilhões dourados é uma ameaça séria aos nossos ecossistemas aquáticos e um lembrete importante de que a natureza pode nos surpreender com sua complexidade.

O mexilhão-dourado, originário do sudeste asiático e com sua distintiva cor marrom-dourada, é um intruso que entrou na América do Sul por meio da água de lastro de navios. Ele fez sua primeira aparição no Brasil em 1998 e, rapidamente, tornou-se uma figura influente nos ecossistemas aquáticos do País, disputando espaço e alimento com outros bivalves nativos. Estudos apontam que a presença em grande número do mexilhão-dourado pode causar impactos significativos na comunidade planctônica, inibindo o crescimento de algumas espécies de algas e promovendo o florescimento de outras, como a cianobactéria Microcystis aeruginosa, que produz substâncias tóxicas chamadas de cianotoxinas, que comprometem a vida aquática e a qualidade dos recursos hídricos.

Esses animais têm ciclo de vida curto e crescem rapidamente, com uma fase larval planctônica, o que lhes dá uma incrível versatilidade para se estabelecerem em diversos ecossistemas aquáticos, em diferentes biomas brasileiros. Além disso, eles possuem uma estrutura chamada de bisso, que são fios finos e pegajosos que, quando secretados por esses animais, ajudam-nos a se ancorar com firmeza em superfícies subaquáticas, como pedras, tubulações e até conchas de outros moluscos. Isso os protege de serem arrastados pela correnteza ou de serem desalojados por predadores. Essa habilidade excepcional de fixação é uma das principais razões que explicam por que a invasão do mexilhão-dourado é tão eficaz em novos ambientes.

Além de sua notável habilidade de fixação ao substrato, os mexilhões de diversas espécies desenvolveram eficazes mecanismos de defesa em resposta à predação. Um exemplo notável é o comportamento de agregação, por meio do qual eles se reúnem em grupos. Essa formação de grandes aglomerados desempenha um papel crucial na proteção contra predadores, tornando-os mais resistentes ao desalojamento e à captura quando estão agrupados. Estudos recentes sugerem que essas estratégias de defesa podem ser influenciadas por sinais químicos liberados por predadores ou por outros membros da mesma espécie que tenham sofrido lesões.

Explorar o comportamento das espécies invasoras desempenha um papel fundamental na biologia da conservação e oferece ferramentas cruciais para apoiar iniciativas de preservação. Ao aprofundarmos nosso entendimento sobre como esses organismos se adaptam, especialmente em relação a potenciais predadores, podemos adquirir perspicácia valiosa acerca de suas interações com a rica fauna nativa brasileira. Compreender suas estratégias de sobrevivência e disseminação é essencial, pois isso alimenta o desenvolvimento de táticas de manejo voltadas para conter sua expansão, contribuindo, assim, para a proteção do nosso ecossistema.

Impulsionada pelo desejo de compreender melhor o comportamento desse bivalve invasor conhecido por mexilhão-dourado, minha pesquisa se concentrou em analisar como essa espécie interage na presença de peixes nativos de hábitos alimentares distintos. Busquei entender o comportamento do mexilhão-dourado na presença de peixes da fauna nativa que possuem diferentes hábitos alimentares. Além disso, investiguei de que maneira a força de fixação, o comportamento de agregação e os padrões de movimento do mexilhão-dourado são influenciados por fatores estressores, como a presença de predadores e coespecíficos lesionados.

Em linhas gerais, observei que o mexilhão-dourado reage à presença de sinais químicos liberados na água por peixes e por outros mexilhões lesionados. A principal resposta defensiva exibida pelo mexilhão-dourado foi o aumento na produção de bissos, que promove maior fixação ao substrato. Esse comportamento pode ter impacto direto na taxa de sobrevivência dos indivíduos, uma vez que mexilhões com uma fixação mais forte ao substrato tem menor chance de serem desalojados e certos predadores optam por presas menos aderidas. Nossos resultados mostram esse comportamento mais claramente em mexilhões menores, que estão sujeitos a um maior risco de predação.

Além disso, notamos que os mexilhões-dourados expostos a estressores têm a tendência de modificar seu comportamento de deslocamento, reduzindo sua atividade no substrato. Parece que o mexilhão-dourado se beneficia dessa redução na mobilidade para se tornar menos visível a possíveis ameaças. Isso ocorre porque, quando os mexilhões-dourados se movem no sedimento em busca de novos substratos, podem ser facilmente detectados por predadores.

Os resultados deste estudo destacam a importância das interações biológicas na dinâmica das comunidades e como a presença ou ausência de predadores pode influenciar o comportamento das presas. É provável que espécies capazes de reconhecer e interpretar corretamente os riscos e benefícios associados à presença de outros organismos sejam mais eficientes na expansão e tenham um impacto mais significativo na comunidade.

 

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