Um estudo desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (UFLA) analisou os impactos da pandemia da Covid-19, no Brasil, sobre a saúde mental e o ciclo menstrual de mulheres em fase reprodutiva. Os resultados mostraram que a maioria das mulheres relatou surgimento de novos sintomas relacionados à saúde mental (97%) e/ou alterações em seus ciclos menstruais (77%), ciclos esses que eram considerados normais antes do período de emergência em saúde pública.
As mulheres mencionaram modificações como: alteração no número de dias do ciclo menstrual, número de dias de menstruação, fluxo menstrual, coloração e odor da menstruação, além de apresentarem escapes menstruais. As entrevistadas também afirmaram ter havido alterações nos sintomas do período de Tensão Pré-Menstrual (TPM) e na libido (que, para a maioria delas, diminuiu).
De acordo com o coordenador da pesquisa, professor Bruno Del Bianco Borges, que também é coordenador-adjunto do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, esses dados são preocupantes, se considerados os aspectos reprodutivos da mulher. “Os efeitos da pandemia sobre a saúde mental, ciclo menstrual e libido sugerem um possível efeito negativo sobre a função reprodutiva da mulher, o que pode interferir na fertilidade, mesmo que em caráter momentâneo. Estudos demonstram que pandemias e epidemias anteriores causaram efeitos adversos sobre o organismo feminino por até dois anos após a crise sanitária. A avaliação mais profunda dos nossos resultados depende de outras investigações, já que várias perguntas surgem a partir desses dados. Estaria havendo um real impacto sobre a fertilidade das mulheres neste momento? É preciso seguir com novos estudos”, explica.
A pesquisa foi aplicada por meio de questionário on-line e analisou as respostas de 948 mulheres em fase reprodutiva e que afirmavam possuir ciclo menstrual regular antes da pandemia. A participação alcançou as cinco regiões do Brasil. As respondentes foram divididas em dois grupos: mulheres que tiveram o diagnóstico positivo para o novo coronavírus (Sars-CoV-2) e mulheres que não foram infectadas. As mulheres que não foram infectadas apresentaram maior surgimento de novos sintomas relacionados à saúde mental e alteração de ciclo menstrual, sugerindo que o medo de se infectar com o vírus e suas possíveis consequências podem trazer maior alteração para o organismo feminino.
Cerca de 80% das mulheres que testaram positivo e 98% das mulheres que não foram infectadas pelo novo coronavírus relataram novos sintomas relacionados à saúde mental, e os mais presentes foram aumento do estresse, da ansiedade, nervosismo e insônia. Entre as entrevistadas que relataram o aparecimento de 4 a 7 novos sintomas relacionados à saúde mental, cerca de 90% reportaram alteração do ciclo menstrual, o que é indicativo da relação entre esses dois fatores.
Outra observação importante da pesquisa foi que o efeito da pandemia sobre a saúde mental foi maior em mulheres mais jovens, com idade entre 18 e 24 anos. “É possível que isso se deva ao fato de elas não terem ainda ingressado ou se estabilizado na carreira, nem consolidado outros aspectos da vida, o que traz maior insegurança e incertezas sobre o futuro e o que poderá acontecer após a pandemia”, analisa o professor.
Bruno também relata a necessidade de maior divulgação de aspectos relacionados à saúde reprodutiva feminina. “Percebemos, pelas respostas, que muitas mulheres não conheciam suficientemente seu próprio ciclo. Esse também é um indicador que merece atenção de outras pesquisas e dos programas de saúde da mulher, já que a mulher precisa ter um conhecimento básico de seu corpo para identificar situações anormais que podem afetar sua saúde reprodutiva”, adverte.
O conjunto de observações feitas pela equipe da pesquisa servirá de base para novas investigações, além de poder subsidiar ações e políticas voltadas à saúde da mulher, de forma a contemplar apoio a alterações psicológicas e monitoramento da saúde reprodutiva da mulher. É sabido que uma crise de saúde pública, como a provocada pela pandemia da Covid-19, pode ser considerada um agente estressor para o organismo, podendo perdurar por meses ou anos, caracterizando um estresse crônico. Sabe-se que esse tipo de estresse tem um efeito negativo sobre a reprodução e a fertilidade da mulher, podendo alterar o número de novos nascimentos, por exemplo. Os sintomas relacionados à saúde mental, conjugados às alterações no ciclo menstrual, fazem parte de fatores que podem causar redução da fertilidade e, portanto, afetar as taxas de natalidade.
O estudo está em fase de análise para publicação em periódico científico. Fazem parte da equipe de pesquisa, além do professor Bruno, a doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência dos Alimentos Jéssica Petrine Castro Pereira; as mestrandas do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde Larissa Sampaio Jacques e Tayná Márcia Santos; e a pós-doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Genética e Melhoramento de Plantas Fernanda Aparecida Castro Pereira.